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Música

Editor Régis Tractenberg

outubro 29, 2018


Carreira e profissão

Entrevista com Liliany Assunção, Mestre em Educação Musical pela UFRJ
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Música

Entrevista com Elione Alves de Medeiros

Graduado em Música – instrumento fagote, Mestre e Doutor em Música.

 

Onde você estudou?

Estudei nas Escolas de Belas Artes de Recife, UNB e Escola de Música da UFRJ.

 

Por que você escolheu a carreira de músico?

Eu não escolhi ser músico. Aos 16 anos, um professor de francês, que dava aulas para nós em uma pequena biblioteca pública do meu bairro, me ofereceu um curso técnico de música na Escola de Belas Artes de Recife e um instrumento que não conhecia, o fagote. Ávido por aprender, me interessei.

 

O que faz um profissional da área de Música?

Um músico pode ensinar, pode tocar um instrumento em grupos musicais como: orquestras sinfônicas, bandas, pequenos conjuntos de câmara. Pode ainda fazer composições e pesquisa.

 

Que tipo de trabalho você faz como Músico?

Ensino fagote e dou aulas de Música de Câmara, Práticas de Conjunto, Percepção Musical e toda matéria que envolva a arte musical. Toco em orquestra sinfônica, em pequenos conjuntos e sou solista e camarista.

Solista é aquele que toca solos (sozinho) ou é aquele que executa uma obra acompanhado, ou ainda quem executa uma função específica numa orquestra. Eu por exemplo, sou o fagotista solista na minha orquestra e na minha carreira. Sempre fui primeiro fagote, isto é, aquele que lidera o naipe (2, 3 ou quatro fagotes) na orquestra. Exemplo prático: um concerto para piano e orquestra de Mozart foi escrito para um solista que toca piano. Então quando ele toca esse concerto ele está solando, é o solista principal. A orquestra acompanha, e se eu estiver tocando nessa orquestra, me destacarei com alguns pequenos solos, entende? Tanto quanto os outros principais integrantes da orquestra, como o primeiro flautista, violinista (spalla), etc.

E camarista é aquele que faz parte de pequenos grupos, que toca em locais pequenos ou câmaras. O conjunto pode ser formado de mais de dois, até vinte músicos aproximadamente.

 

Como é seu dia a dia profissional típico?

Estudo durante a semana (fagote), preparando as obras que preciso tocar ou interpretar. Dou aulas na Unirio, faço ensaios de câmara, com alunos e professores. Dou aulas de fagote e participo de duas orquestras, incluindo uma orquestra barroca da própria universidade. Sou convidado, também, para bancas de concurso ou de pós-graduação. E sou convidado, ainda, para participar de festivais e encontros internacionais. Nos finais de semana geralmente me apresento com orquestra ou pequenos conjuntos.

 

Que tipo de ferramentas, recursos, ideias e metodologias você utiliza?

As ferramentas são básicas: o instrumento e material específico para confecção das palhetas que são adquiridos no Brasil (são importados) ou realizando pedidos no exterior. Inclui as canas, moldes, faca especial, linhas, arames, mandril, alicate, formas, etc. Usamos uma metodologia baseada na escola alemã de fagote, com foco na embocadura, no modo de sacar o som musical tocando. Trabalho com a respiração e algumas técnicas que utilizam os músculos abdominais, além do relaxamento físico e da postura correta, para evitar doenças ocasionadas por esforços repetidos.

Como recursos práticos nas aulas, para o aluno entender as questões interpretativas e fraseológicas das obras em estudo, utilizo muitas figuras de linguagem, ou subjetividade. Utilizo também do conhecimento teórico-musical. O estudo do instrumento musical requer criatividade e intuição, além da teoria como: morfologia musical, estudos de harmonia, e a vivência prática e diária como músico. A metodologia utilizada é baseada em literatura especializada e geralmente são estudos técnicos bem definidos para desenvolver a habilidade do instrumentista. Trabalhamos a literatura musical dos períodos barroco, clássico, romântico e contemporâneo. Tudo baseado na música ocidental e brasileira.

No campo das ideias, sempre busco renovar as opções das obras de acordo com a predisposição do aluno e seu gosto musical. Discuto as opções de literatura musical ou peças a estudar no período. Além das obras principais que devem ser estudadas, deixo o aluno à vontade para escolher ou ter opções, de acordo com o seu interesse maior.

Os métodos e partituras musicais utilizados são específicos para o instrumento e são tradicionais nas escolas do mundo ocidental, salvo as novas composições que surgem todos os anos.

 

Como está o mercado de trabalho em música?

Está em declínio graças à nova política neoliberal de direita, que visa o lucro e não a cultura.

 

Quanto ganha aproximadamente um músico com sua formação?

O músico ou professor de música pode ser autônomo ou empregado e o salário varia muito, desde um professor de rede pública a um professor com doutorado que ensina numa universidade. Depende do seu nível e da sua habilidade. Um músico exímio, tem mais valor do que um medíocre, mas o medíocre pode adquirir mais renda se usar de artifícios e manobras espúrias. É o artista que sempre está em voga, não pela sua inteligência musical, mas pelos subterfúgios políticos e sociais. Um professor com doutorado e associado ou titular, seja medíocre ou não, tem um bom salário para os dias de hoje. Um músico de orquestra como a OSESP – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, chega a ter um piso salarial de quase 20 mil Reais brutos, que equivale a um professor titular. Contudo, temos orquestras com salários baixos, com piso inicial de 2.800 Reais.

 

Quais as principais vantagens da carreira em Música?

A vantagem é que, quase sempre, o trabalho se torna lazer pois é prazeroso. Nos traz a felicidade de ter executado bem e de levar às pessoas momentos de alegria e boas emoções.

 

E quais as maiores dificuldades e desafios?

O esforço pessoal em estudar diariamente e vencer os desafios técnico-musicais. E ainda o mercado de trabalho e a competitividade.

 

O que se estuda na faculdade de Música?

Estudam-se matérias teóricas e práticas. As teóricas abordam a História da Música desde o período antigo ao atual. História da Música Brasileira; Etnomusicologia; Morfologia Musical; Estética, Harmonia; Arranjo; Composição; Contra Ponto e Fuga; e Filosofia da Música.

Etnomusicologia é o estudo das práticas musicais tradicionais. Ex.: A música dos índios Xavantes. As misteriosas vozes búlgaras, o maracatu, etc. A música dos pigmeus. O estudo envolve a prática musical e seu contexto social.

Dentre as matérias práticas temos: Instrumento; Música de Câmara; Prática de orquestra; Prática de Banda; Prática de Conjunto; Programas de Música (PROM) que fica ao critério do professor. Eu ofereci em alguns semestres Pontos Cantados de Umbanda e Rítmos Nordestinos. Prática Vocal (coral), Jazz, Big Band. Música Eletrônica. Percepção Musical.

 

Quais matérias do colégio são mais importantes ao se preparar para a carreira em Música?

Se o colégio tiver Música no currículo, e se ensinar percepção musical e teoria Musical, pode habilitar o aluno a fazer o Teste de Habilitação Específica (THE), necessário para ingresso no ensino superior de Música. Mas, geralmente o candidato à graduação ou licenciatura em Música precisa estudar as matérias em Escolas de Música e instrumentos Musicais.

 

Há outras aprendizagens e experiências que não são oferecidas pela escola, mas são importantes ao longo da carreira?

Não existem ainda nas Faculdades de Música alguma matéria que prepare o aluno a ser solista e enfrentar o palco com serenidade, algo como “prática da Performance Artística Musical”.

 

É necessário o conhecimento de outro idioma para atuação como músico? Em caso afirmativo, qual(is)?

Inglês (saber traduzir e falar). Espanhol (tradução de textos), francês e alemão (tradução de texto, porém é mais rara).

 

Como deve ser a personalidade e quais devem ser os interesses, desejos e valores de alguém que segue a profissão de músico?

Ao longo da minha jornada como músico e professor, tenho observado a partir de mim mesmo e de outros, alguns perfis nos quais me sinto mais ou menos próximo ou distante. Exemplos: a busca do perfeccionismo (na área da música erudita e da interpretação musical de forma a ser perfeitamente executada). O Artista de modo geral é assim.

A vaidade tem seu lugar comum, em diferentes níveis e é importante, nem que seja minimamente importante. O artista se apresenta em público e é pivô das atenções. Por isso, deve estar bem vestido, portar um bom instrumento e tocar bem, pois ali, no palco, ele está em prova daquilo que se propôs a apresentar; e é assim na arte da performance.

Ser corajoso e desafiador em se propor a vencer obras mais difíceis do repertório e apresentar em público, ou outra coisa relacionada ao fazer musical, tanto teórico quanto prático.

Orgulho em ter alcançado os objetivos maiores e humildade para reconhecer seu tamanho em relação aos virtuoses e ter muita autocrítica.

Existem traços negativos, quando algumas qualidades podem ser exacerbadas. Muita vaidade por exemplo. Existe também o artista medíocre arrogante, o artista virtuose arrogante, e o virtuose ou medíocre simples, pouco vaidoso.

 

É necessária alguma habilidade anterior?

Sim, ter noção de ritmo e ter um ouvido musical. Para estudar fagote ou qualquer outro instrumento, o aluno precisa ter conhecimento prático e teórico, e ter alguma iniciação no instrumento. Por isso temos o Teste de Habilitação Específica para ingresso nos cursos universitários.

O perfil se descobre a partir do interesse e do desenvolvimento do estudo. Muita gente tenta ser músico ou tocar um instrumento e não consegue.

 

Você mudaria algo em relação ao seu caminho profissional na Música para chegar ao ponto em que está?

Se tivesse oportunidade, teria tido uma vivência internacional como aluno, em especial na Europa. Como profissional já atuei diversas vezes na Europa e nas Américas.

 

Existem filmes que exemplifiquem sua área profissional?

Sim: Amadeus e Tous les Matins du Monde.

 

Quem seriam profissionais de amplo reconhecimento ou figuras históricas de sua área?

No Brasil, Professor Noël Devos (falecido); José Botelho; Hary Schweizer, professor de fagote (Bassoon) e único construtor do instrumento em toda a América Latina.

Temos ainda, Francisco Mignone; Oswaldo Lacerda; Camargo Guarnieri; Edino Krieger e Ronaldo Mirando.

 

Como alguém pode fazer para saber mais sobre a carreira em Música?

Sugiro buscar nos sites de quase todas as IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), pois têm Faculdades de Música.

Podem procurar, também, Escolas de Música e Projetos Sociais ou ONGS.

Indico ainda os seguintes links para quem quiser conhecer o instrumento fagote:

https://www.haryschweizer.com.br/
https://imslp.org/wiki/List_of_Compositions_Featuring_the_Bassoon
https://www.youtube.com/watch?v=TuyWybKHQkU
https://www.youtube.com/watch?v=iczSNXRUaJs
https://www.youtube.com/watch?v=uIDYtj8kQUs
https://www.youtube.com/watch?v=30p0kF-8_H4
https://www.youtube.com/watch?v=sOLxlPXXK2E

Se você digitar no Youtube Bassoon chamber music, ou apenas Chamber music. Vai encontrar centenas de apresentações!

 

Por fim, que dicas de carreira e de vida em geral você gostaria de oferecer para um jovem que está escolhendo a profissão de Música nesse momento?

Nesse momento político eu não diria nada, mas, se fôssemos contar com um país sem esse futuro sombrio, eu diria que o instrumento é caro, os materiais necessários como a palheta e acessórios necessários também são caros. Contudo, se houver dedicação, coragem e tenacidade, aliados com um bom estudo guiado por um competente professor, existe sempre uma chance de se colocar no mercado de trabalho, que embora pequeno, ainda é escasso de bons profissionais de orquestra.

 

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